quarta-feira, 19 de outubro de 2011

DE GERSON PARA MÃE

Oi mãe, tudo bem?
Desculpe não ter dado noticias nesse últimos tempos, nem mandado nenhum vídeo, mas é que as coisas andam meio corridas aqui no barco.Há algumas semanas atrás achamos uma ilhotinha deserta, e vamos montar uma cidade de piratas! Mó legal né? Eu sugeri alguns nomes pra ilha, tipo, Raimunda 1 em sua homenagem, mas o capitão não deixou, e botou mó nome feio nela "Providence".
Esse tipo de acontecimento me deixa cada vez mais confiante mãe. Eu sei que já tenho um cargo elevado no barco e coisa e tal, mas eu quero subir ainda mais na vida, me tornar capitão um dia.E se uma cidade pode ser inteiramente governada por piratas, vai ver um navio também pode ser governado por um capitão preto!

Por enquanto é só mãe,
te amo.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

DEPOIMENTO DO TOMBINHO

 
Não bebo. Monoteísta, monogâmico. Escolho ser pirata. E nesta fala penso: sequer é uma escolha? Sempre me disseram que sou louco, apesar de eu não compreender bem isto. Dizem que minhas mãos tem vida própria e domínio sobre minhas ações. Nunca percebi e, mesmo com força de intensidade e curiosidade, não consigo encontrar este fator em mim. Minha mão esquerda sente mais frio e medo do escuro que a outra que, mesmo mais segura, pede algum aconchego. Cubro a primeira com uma luva preta de couro e a segunda com uma branca de seda. A ironia que encontro é que sou destro. Ambas me parecem seguras.
Quando pisei neste navio em que escrevo, senti um conforto estranho. Sim, me chamam de criança, de bobo, de infantil, de sonhador (penso que só eu gosto de ouvir as histórias do conta-causo), mas nada passa da zombaria. Em minha vida já tentei duas opções: viver entre a sociedade e, nesta etapa, quase morri. Ali não consegui amor, emprego ou respeito. Era considerado possuído por alguma força do mal e quase fui enforcado. Fugi. Tentei ser peregrino e viver só. Não sofri ataques, mas recebi a falta de diálogos, de companhia, de calor. Fazia muito frio naquela época, em todos os sentidos possíveis de leitura.
Aqui prefiro a embarcação, prefiro a zombaria sem violência ou promessa de morte tendo corpos convivendo no meu mesmo espaço em troca. Sim, meio bocó e sozinho aqui... E com certeza ainda louco (é o que andam me dizendo de novo) mas, assumo, ando com sorrisos no rosto que há tempos não tenho. Diferentes e novos companheiros. Lugar comum e seguro. Apesar das tempestades de sempre que aqui vivemos, não troco isso por uma sociedade hipócrita, nem pela solidão. Em segundo algum.
Pirata por última opção, mas sou.

O caminho até o Núcleo Cultural - ou - "chegando em Providence!"

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

LOGO DO PEPE

A lenda do Capitão Barba-Molhada


PERSONAGENS

Henry “Come-Dedos” Dawkins, marujo
John “Costela” Morgan, marujo
Burt “Ugly Barbecue Legs”, cozinheiro
Capitão Willie William Will o’Well, capitão do navio

Noite em alto-mar. O navio do capitão Willie William Will o’Well desliza, quase parado, sobre as águas do mar caribenho. A maioria da tripulação de piratas está dormindo e todo o estoque de rum acabou com exceção de uma última garrafa, ou, pelo menos, do que sobrou dela, nas mãos dos marujos Henry e John que estão no convés, a essa altura, bêbados a ponto de fantasiarem suas próprias histórias de piratas.

HENRY – (delirando de bêbado) Subir vela-mestra, levantar âncora, treinar macacos, soprar navio! Galináceos!

JOHN – (bêbado) Com mais de trinta mil ratazanas mortas, Henry, aonde está o nosso rum? Na velocidade em que estamos tudo o que encontraremos na cidade serão tartarugas de ressaca! Somos um coqueiro no meio do mar! Não há rum, não há ouro, não há vento...

HENRY – (enrolando as palavras)...então que soprem o navio, seus bexiguentos!! (soluça) Hahahahahah!!

JOHN – Quem você pensa que é, Henry “Come-Dedos” Dawkins, para dar ordens aos homens da minha embarcação?

HENRY – Seu pedaço de lagosta podre, eu sou o capitão agora!

JOHN – Só enfincando uma adaga em meu crânio!

HENRY – Eu já te venci uma vez, capitão John “Costela” Morgan, não vou sujar minha lâmina novamente.

JOHN – Não há duelo que se vença sem morte, estamos vivos, e, nesse caso, você sabe o que diz a lei da pirataria...

HENRY – Um duelo de bravatas! Hahahahaha, seu caga-tacos!

JOHN – Pernas de alicate!

HENRY – Olhos de carneiro mal-morto!

JOHN – Trombudo!

HENRY – Moréia desmamada!

JOHN – Mussolini de carnaval!

HENRY Arroto de baleia!

JOHN – Molusco desidratado!

HENRY – Pequena Sereia da Terceira Idade!

JOHN – Vegetariano!

(chega Burt “Ugly Barbecue Legs”, o cozinheiro)

BURT – Seus chimpanzés, parem de macaquear e fiquem atentos ao mar!

JOHN – (bobo-alegre) Estávamos nos insultando, Burt. Quero provar que sou o melhor para comandar o navio!

BURT – Cloaca de frango mal-cozida, por onde anda o rum que tanto alegra essa noite atípica dos mares caribenhos e os fazem pensar que têm colhões para comandar uma tripulação?

HENRY – Não há com o que se preocupar, Burt. O mar está parado, não há sequer o menor movimento de um cardume por aqui.

BURT – Já parou para olhar a nossa volta, pirata ranhoso?

HENRY – Só vejo neblina e portanto não vejo nada em volta.

BURT – E em nada estranham o clima adverso que paira nesse mar de calmaria? A hora passa e a neblina cada vez mais se aproxima das nossas narinas de cachorro sarnento, essa noite fria e nublada esconde a lua e as estrelas para confundir nossa rota. O capitão Will o’Well tem comentado com toda a tripulação sobre o acontecimentos atípicos das últimas noites... Depois da morte de Norm Trevor Hailway “Conta-Gotas” Morrison os mares não têm sido mais os mesmos.

JOHN – Qual a relação entre a morte de um capitão e a ordem natural das coisas, o clima, as estrelas?

BURT – Trevor “Conta-Gotas” Morrison foi condenado a morte pelos porcos britânicos da mesma maneira com a qual torturava as suas vítimas. Acontece que durante o seu julgamento toda a sua tripulação negou a responsabilidade pelas mortes e pelas pilhagens realizadas juntos e preferiram o serviço social. Então fugiram feito abutres famintos que migram para o sul, para as montanhas atrás de carniça podre de rato. Restou a Trevor “Conta-Gotas” o mesmo destino que aplicava a seus inimigos: foi enterrado até a cabeça, na areia, durante a maré baixa para que, aos poucos, o aumento do nível da água do mar o afogasse.

HENRY – Blábláblá! Histórias de bebedor de leite!

BURT – O que andam dizendo por aí é que, ao contrário do que todos deduzem, Trevor não morreu.

HENRY – Não, não morreu, ele saiu nadando com as orelhas!

BURT – Não, imbecil. Trevor foi salvo por Lorena, a baleia gigante que o acompanha na sua missão de vingança contra os larápios britânicos e contra todos aqueles que se dizem honrados por serem piratas. Os sinais de que vai haver um ataque de Trevor são conhecidos pela estranha adversidade climática que acomete o alto-mar: faz frio, a lua some entre as nuvens do céu, a neblina se condensa de modo que não se veja um barril a sua frente e então, o último sinal: uma garoa fina, imprópria das grandes ressacas que temos por aqui nessas ilhas do Caribe. Ao longe Trevor, montado em sua Lorena, uma baleia equivalente a pelo menos cinco das maiores embarcações juntas, surge para dilacerar todo e qualquer tipo de vida não-marinha que flutuem por essas águas. Desde o início desses episódios ninguém se lembra mais de Trevor; agora a pirataria da região e o governo britânico conhecem apenas o Capitão Barba-Molhada.

HENRY – Ora, quem se importa com histórias de baleias assassinas? O Capitão Will o’Well insiste em conversar com um papagaio morto.

JOHN - É parte da nossa natureza, a vida no mar, a solidão. Às vezes eu me sinto meio maluco também. Sabem? Olho pro céu e penso no que pode existir além de todo esse mar e de toda essa terra. Penso em um futuro em que, no fim dos tempos, as estrelas significariam alguma coisa para os seres humanos. Não temos mulheres, mas temos papagaios, baleias...

HENRY – Tudo ficou mais nublado de repente, não?

JOHN – Alguém viu a garrafa de rum por aí?

HENRY – Veja! Lá está o nosso rum montado em uma baleia gigante! Hahahahah!

(Os dois caem em ébrio riso)

JOHN – Subir velas! Puxar âncora! Executar o canto das baleias!

HENRY – Soprar o navio!!

(Gargalhadas ébrias e alopradas)

BURT Cardume de estrume! Desova de bosta! Vou cortar seus testículos fora e servir com batatas!

(Forte estrondo da porta da cabine do capitão se abrindo. Sai o Capitão Willie William Will o’Well com uma tocha acesa na mão e uma espada na outra.)

Will o’Well – (aos urros) Barba-Molhada!! Seu monte de carniça decomposta! Vou cortar você e o seu cachorrinho em pedaços para que exponham simultaneamente nos museus de anatomia de cada país desse mundo! Te darei as bagagens, as passagens e as chaves para o inferno! Revele-se! Seu cão vira-latas! Biltre fedorento! Apareça!!

(Um trovão ao longe. Começa a cair uma garoa fina)